sexta-feira, 26 de outubro de 2007

ENCANTO E DESENCANTO


                           Aquarela sobre papel (Fátima Azevêdo)

Não deveria ser assim mas é. São cheios de tirania e desumanos os relacionamentos à dois. A maioria deles rima com desencanto, cansaço, desalento. No começo tudo é lindo, tudo é motivo de riso, de graça, de amor e de laço. De café à dois, cinema à dois, almoço à dois, leitura à dois. Até olhar o caminho das formigas é um ato de amor e motivo de carinho. Os beijos são explícitos e públicas são as manifestações de carinho. Tudo é perfumado e colorido é o dia e a noite. Nada é escuro, nada é cansaço. Tudo é interesse e atenção. Tudo é encontro e infinitas possibilidades.

Depois, como num passe de mágica, o encanto acaba e dá lugar ao desencanto. O bonito vira feio, o que era gostoso vira insípido. O roçar das peles vira incômodo e a perna em cima do outro vira um peso. O simples ouvir a voz fica insuportável e a pessoa que antes falava doce, agora rosna. Os olhares não mais se cruzam e as curvas e cruzamentos se transformaram em linhas divergentes, agora, sem possibilidade de encontro.
Não deveria ser assim mas é. São cheios de tirania e desumanos os relacionamentos à dois. Não duram mais que o curto espaço de uma paixão. Quando duram, na maioria das vezes, duram por acomodação. Não acredito em relacionamentos sem paixão e paixão é fogo e fogo tem começo e tem fim.

Nos casamentos o padre ao invés de dizer a célebre frase “ felizes até que a morte os separe”, deveria substituí-la por:” felizes até que a paixão acabe”. Seria mais honesto e mais real. Menos utópico e mais humano. Bom, o padre não diz, mas eu, lá do banco da Igreja, eu digo: “felizes até que a paixão acabe” e é só esperar pra ver.

Mesmo pensando assim, eu adoro casamentos. Na verdade, cerimônias de casamento. Tudo é lindo, desde a decoração, a música, o vestido da noiva, a noiva, o noivo, os melhores perfumes tirados dos armários, os chapéus das madrinhas, os olhares, as daminhas, o carrão, geralmente alugado ou emprestado e as solteiras aguardando o buquê.Tudo é lindo e por isso mesmo deveria ser repetido quantas vezes necessário.Tipo posologia de remédio. Case quantas vezes for necessário.Casar faz bem, só não posso dizer por quanto tempo dura o efeito. Depende de vários fatores. Acho cerimônias de casamento uma das melhores performances a serem assistidas. Acho que por mais emancipada que seja a mulher, esse ritual do casamento é algo que deveria ser experimentado pelo menos uma vez na vida. O mais engraçado de tudo é que a pessoa casa e descasa , as lembranças vão esmaecendo, novos casamentos à vista, e as fotos da cerimônia são algo que com o passar do tempo são vistas realmente como fazendo parte de uma performance e não da realidade.

Acredito até que existam casais que vivam juntos a vida inteira por amor, e que consigam manter aceso o fogo da paixão, mas isso não é o comum. Na verdade é a exceção. Creio que um bom número de casais que vive junto a vida inteira é mais por acomodação ou mesmo por falta de opção. Ou quem sabe, por pura covardia, ou até por economia, o que não é raro nos dias de hoje. Mas, continuo acreditando que viver à dois é desumano e pura tirania.


COMO OS NOSSOS PAIS



A gente sabe que os filhos sempre crescem. E crescem rápido. Ora voltam ao nosso colo, ora resmungam e querem voar. É sempre assim. Eu sempre quis ter uma família bem grande. Pelo menos uns 5 filhos. Mas não é que mesmo eu querendo tanto, o homem lá de cima me deu um único tesouro. Minha filha Nina. E por saber que criar filho único não é igual a criar vários, é que eu tentei de todas as maneiras criar essa minha filha bem independente, mas acho que exagerei. Ela só tem 16 anos, mas pensa que tem 30. Será que é assim mesmo??? Sou motorista de todas as horas, ajudante de trabalhos de equipe (faço os desenhos e ajudo nas colagens criativas, eu curto fazer isso), despertador incansável e a pior das cozinheiras, isso eu reconheço.


Às vezes me sai com cada uma que eu me pergunto, onde será que ela aprendeu isso??? Já estou me preparando para quando ela quiser morar só. É isso aí. Porque só o que eu ouço é a ladainha que quando tiver 18 anos vai ser dona da própria vida. Já que eu não libero saída à noite para baladas só com grupinho de amigas. Eu vou junto e lá estou eu madrugada à fora com essa minha filha e suas amigas a quase perder a audição com o som das bandas em ação. Claro que eu fico só de longe, nem chego perto. Não suporto música alta, não é de agora. Mas estou lá. Se isso não for amor...Pode ter até pai e mãe que ache essa minha atitude louca, fora de época, mas eu acho que não. Às vezes a garotada nem sabe muito bem o que fazer com tanta liberdade.


Cada ser humano é dono da própria vida.A gente sabe disso,mas na hora que as palavras de Gibran "os filhos não são nossos filhos, são os filhos do mundo" vêm a mim, aí é que eu vejo que essa minha preocupação é pura bobagem, pois quem sou eu? sou apenas uma mãe, boba como todas as mães, pensando que pode proteger seu rebento, evitar que alguma coisa aconteça a seus filhos, fazer com que não tropecem em pedras ou caiam em buracos. Não adianta se preocupar. Preocupação não leva a nada. Só leva a muito estresse, e nenhum ganho. Mas, eu não tenho jeito, continuo me preocupando. Com quem ela estará, se tudo está calmo naquele local, e fico navegando na Internet até a hora de ir buscá-la nas festinhas.


Ainda acho que o crescimento humano é muito rápido. Se eu tivesse algum poder, faria com que cada ano se multiplicasse por 7, portanto minha filha ainda teria 2 anos e eu ainda poderia rever uma série de posturas e fazer algumas coisas bem diferentes do que eu fiz. Como isso não é possível, me resta apenas pedir à Deus proteção e muita LUZ para a minha filha e para todos os adolescentes que vivem na sociedade atual pobre de valores humanos e tão consumista e vazia.


(junho 2005)

DOCUMENTO PERDIDO

Eu perdi um papel muito importante. Um papel que eu jamais deveria ter perdido. Aliás foram dois, mas agora vou falar apenas de um deles, porque é o que preciso mais urgentemente. Preciso dele para ontem e não consigo encontrá-lo. E o que é pior, como nunca precisei dele antes e achava que nunca iria precisar, não tenho nem mesmo uma cópia do dito cujo. Só não estou em pânico porque friamente falando, aliás, pensando, sei que para tudo há uma saída, haverá de existir.

Estou fazendo um curso de pós-graduação e para me inscrever oficialmente, preciso de uma cópia do meu diploma de médica. Deste, eu tenho cópia. Mas como meu diploma de medicina está com nome de casada e hoje tendo retornado ao meu nome de solteira, para evitar enganos, resolvi corrigir meu nome no diploma. Um diploma tão importante não merece ficar com um nome que já não é o meu, concordam comigo?!

Judicialmente falando sou uma mulher divorciada, se bem que realisticamente falando sou uma mulher há 18 anos novamente casada. Como por livre e espontânea vontade nem eu nem meu atual companheiro quisemos ir ao juiz de paz para lavrar em cartório nossa união, melhor dizer relação, nunca precisei de meu documento de divórcio, que me foi presenteado pelo meu ex-marido. Pois é, agora preciso do tal documento. Peguei nele outro dia arrumando papéis e agora que preciso tanto dele não consigo encontrá-lo. Já rezei pra São Lunguinho, para o Neguinho do Pastoreio, para meus mortos queridos, até ensaiei chorar, mas nenhuma dessas atitudes gerou sucesso em minha empreitada de busca. Desisti então de me desesperar.

Conclusão: terei, mesmo que constrangidamente, sim, porque um documento desses não se perde à toa, pedir uma cópia do mesmo ao meu antigo marido, ou então perguntar-lhe em que cartório foi feito o divórcio para que eu mesma possa providenciar uma cópia do documento.

E agora eu me pergunto surpreendentemente estarrecida, como é que eu posso ter dado fim a esse documento? Um documento que mudou tão radicalmente a minha condição ou meu estado civil. Como posso ter feito isso? Um papel que me impede por todos os séculos e séculos amém de preencher uma ficha optando pelo estado civil solteira? Imagino que talvez, quem sabe, eu inconscientemente, tenha perdido esse papel pelo ridículo que ele significa para mim. Se eu descasei, me desquitei ou me divorciei, é claro que eu deveria ter voltado a ser solteira. A justiça dos homens se encarrega ela mesmo de nos marcar à ferro e fogo com nomes, números, estado civil, todo tipo de estados , quando na verdade não passamos de meros seres humanos. Esse é o meu estado de ser mais importante: ser humano. E se vocês arriscarem a me perguntar sobre meu estado civil, a resposta será: meu estado civil é o estado de SER HUMANO. E tenho dito.


Em 17.09.06 domingo cheio de sol

BEM-QUERER

Querer bem é algo tão amplo, tão imensuravelmente grande que às vezes pode ser mal entendido. Quando se tem bem-querer por alguém a própria palavra por si só se explica. Bem-querer, querer bem, querer o bem.

No entanto, às vezes, o bem querer é mal entendido e confundido com vigilância. E será que dá pra separar um do outro? Não sei não. Não me perguntem. Gostaria de ter uma resposta na ponta da língua para essa minha pergunta. Você tem? Quem quer bem, cuida. Quem cuida está sempre vigilante, atento. Não imagino um filho cuidar de um pai sem estar atento a esse pai. Não imagino um pai cuidar de um filho sem se manter vigilante. Bem querer requer  cuidar, que implica em estar atento às necessidades do outro, seja esse outro mãe, pai, filha, marido, irmão, amigo, seja quem for o objeto do nosso bem querer. Não me imagino querendo bem a alguém e deixando esse alguém tomar chuva tendo eu um guarda-chuva para oferecer. Não me vejo querendo bem a alguém e não dizendo algumas verdades por mais duras que possam ser quando os olhos do meu bem-querer estão momentaneamente vedados à essas mesmas verdades.

Corro muitos riscos por querer bem. Me arrisco muito por meu bem-querer. Às vezes escuto o que não queria, engulo o que não gostaria. Acontece às vezes de ter uma indigestão aqui outra ali , mas nada que o amor não cure. Mas vou fazer o quê? Um bem-querer não se escolhe, ele muitas vezes aporta sem perguntar, sem ser convidado e se instala na vida da gente “feito um poceiro”, como diz bem o grande poeta de olhos verdes. Ou às vezes até é convidado e a gente nem se apercebe que convidou. Muitas vezes são nosso sangue: filhos, pais, irmãos. Outras vezes, são irmãos de fé, companheiros dessa viagem chamada vida.

O bem querer pode também ser armadilha, pode cegar, ensurdecer e emudecer. Aí ele precisa ser cuidado para manter o equilíbrio. Precisa de uma equipe multidisciplinar de força de vontade para deixar de ser armadilha e voltar à antiga leveza e colorido que jamais deveriam se perder nas jornadas do afeto. Bem querer nunca é demais, desde que a gente entenda que a vida de cada um é a vida de cada um e que nós só podemos viver a nossa própria vida.



Em 11.09.06
(na Casa Amarela aguardando minha filha sair da aula do Curso de Fotografia)

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

POR QUÊ? VOCÊ JÁ SE PERGUNTOU????

De uns tempos prá cá tenho ficado cada vêz mais assustada com a quantidade de adolescentes de ambos os sexos que começa a beber muito precocemente e porque não dizer, que acha beber cachaça um ato por demais bonito e louvável. Em todas as calouradas que ouço falar, que vejo nos anúncios na internet, há sempre uma observação:BEBIDA DE GRAÇA. Ou seja, o adolescente paga uma pequena taxa e pode entrar, participar da calourada, ouvir a música de "extrema qualidade" que é oferecida (forrós dos mais variados, com bandas e bumbuns a pular e a animar o evento), comer e principalmente beber e "encher a cara" o quanto aguentar e a vontade deixar. Sou, sou radical quando a questão é bebida.
Meus familiares que estão na adolescência podem me achar a mais babaca e retrógrada das criaturas. Meus alunos de faculdade, também. Gosto tanto deles, quanto de meus próprios adolescentes. Filhos de sangue ou de coração. Mas não posso deixar de externar minha opinião quando a questão é o consumo de droga. Quando a questão é um estímulo e culto a ingesta indiscriminada de bebida alcoólica. Álcool é uma droga. Das mais potentes e viciantes. Não sei se feliz ou infelizmente eu sou médica e geneticista, ainda por cima. Estudo sobre a questão da predisposição genética ao uso de drogas e a história familiar de droga adição. O que se vê na literatura é que existem indivíduos que podem entrar em contato com a bebida alcoólica e não chegarem ao vício, mas há casos em que apenas algumas doses de álcool podem induzir ao vício. Penso que a maioria não sabe disso. Ou se sabe, faz que não sabe.
Penso que a inteligência faz com que sejamos responsáveis por nossos atos. E cada ato tem a sua consequência. É verdade que o álcool libera a timidez, faz o feio se achar bonito e a menina tímida se achar sensual. O velho se pensar adolescente e quem usa roupas compostas fazer um completo streaptease em cima de uma mesa, para um público não pagante. É verdade que o álcool está sempre dentro de uma bela taça de cristal nos filmes românticos em que a mocinha encontra seu príncipe encantado... Mas uma coisa não se pergunta nem se vai atrás: Quais os vexames que os garotos e garotas que se excederam passaram? Ninguém fala nisso. É muito engraçado para alguns, ver um adolescente embriagado, vomitando até a alma, ou dirigindo ziguezagueando em uma estrada. Ou ainda, pode ser muito excitante para outros, pensar que uma adolescente embriagada transou com dois meninos e sem preservativo numa mesma noite.
É quase surreal pensar que um bom filho possa em uma noitada regada à álcool, morrer afogado em uma piscina em casa de amigos. É quase impensável perder um filho que não bebe, em um acidente automobilístico devido a um motorista bêbado. É terrível imaginar que um de nossos conhecidos ou afetos possa vir a adquirir alguma doença sexualmente transmissível, por ter transado bêbado e sem o devido cuidado. Ou ainda, que se torne pai ou mãe, bem antes do planejado e ainda, com risco de gerar filhos com problema congênito devido ao álcool. Tudo isso que falei não é nada perto das estatísticas monstruosas de causa mortis entre os adolescentes. Uma das maiores causas é a bebida alcoólica como geradora de várias mortes. Como causa primária ou secundária. Ah, esquecí ainda de falar sobre as consequências à curto, médio e longo prazo da ingesta de álcool para o fígado e o sistema nervoso central. Hepatite, cirrose, neuropatia e por fim morte.
Você pode até dizer.Bom, todos vamos morrer um dia. Eu sei. Mas será que precisa morrer sofrendo, doente, com dor, apodrecendo, perdendo a noção das coisas. Sem dignidade alguma? E por quê, pelo simples prazer de "estar na onda"? "fazer parte de um grupo"? "não ser considerado careta"? "Já que meus amigos bebem, vou beber também?" Será que as mentes humanas cada vez mais evoluídas para o lado da ciência e tecnologia, não podem também ficar mais evoluídas para o crescimento interior, para as coisas que realmente valem à pena? Para o lado menos material da vida e de ser gente? Será que não há meios de se fazer calouradas mais inteligentes? Menos alcoólicas, alcoólatras ou alcoolistas? Será que só existe uma forma de se comemorar vitórias? Sempre tem que ter muita carne para ser consumida e muito álcool para ser ingerido?
Não posso crer que evoluímos tanto a nível científico e tecnológico, para ao mesmo tempo perceber que nós seres humanos, continuamos infelizmente, muito atrasados espiritualmente. Me dá muita tristeza quando vejo os convites para as calouradas. Ao invés de me alegrar, me entristeço. Gostaria que esses garotos inteligentes, cujas famílias foram de tanto apoio para suas vitórias intelectuais, pensassem uma forma de celebrar conquistas, mais condizente com seu status de universitários e menos danosa à suas vidas.

sábado, 7 de julho de 2007

ESTOU...

      foto retirada da net (não tinha referência de autor)



Estou assim...
meio viva,
meio morta.

Meio torta
meio posta.
Dentro de tudo
no meio do nada.

Fora de você
dentro de mim.
Meio morta
meio posta.

Retalhada,
esfarrapada.
Costurando entranhas,
descolando pestanas.

Estou assim...
meio viva,
quase morta.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

E NÓS, AONDE VAMOS ?

Uns querem ter. Outros, nem sonhar. Uns podem criar. Outros não, precisam dar. Uns querem amar. Outros, não sabem como fazê-lo. Uns têm tempo de sobra. Outros, mal param em casa. Uns estimulam o saber, outros estimulam o ócio. Uns mostram que o importante é ser, enquanto outros que o que mais importa é ter. Poucos visitam a escola dos filhos enquanto a maioria não conhece sequer um de seus professores. Uns poucos querem saber aonde estão seus filhos e o que fazem, enquanto muitos querem deles se ver livres. Estes somos nós, os pais desta geração.
Pergunto eu, para onde estamos indo? Qual a perspectiva futura para os nossos jovens? Que tipo de família eles construirão? Que educação darão a seus descendentes? Quem será o seu Deus? Qual será a sua fé? Em que e em quem acreditarão? Como será a sua velhice? Se é que a vida que alguns levam lhes dará chance de envelhecer...

Os adolescentes de hoje de todo e qualquer nível sócio-econômico estão sendo massacrados por uma mídia inescrupulosa e sendo submetidos a uma completa lavagem cerebral de valores , responsável pelo empobrecimento desta nova geração.A maioria dos jovens de hoje está mais pobre de espírito, mais vazia, mais consumista, mais fútil e consequentemente mais infeliz.

Não acredito que a felicidade se encontre na roupa de grife, no carro último modelo, na tatuagem da moda, ou na transa com o cara mais fera da galera. Não está também a felicidade incrustada no piercing genital, nem no lingual, muito menos na gravidez prematura. Creio eu que a felicidade está dentro de cada pessoa sendo diretamente proporcional a capacidade de amar e de se deixar amar, de dar e receber amor que cada um tem.

Creio que a baderna governamental e econômica e o enorme descaso pela educação que já conta anos e principalmente na última década, se reflete na má educação de uma população. E a nossa,um bom exemplo, é bem justa quando reflete jovens que muito pouco ou quase nada respeitam aos professores, aos mais velhos, aos portadores de necessidades especiais, a natureza, aos animais e até mesmo a si próprios. Ninguém respeita mais ninguém nem coisa alguma. As escolas deseducam e uma minoria de pais não encontra eco em suas reinvidicações por uma melhor educação. As escolas particulares viraram grandes empresas, grandes negócios.Preparam para o vestibular, mas não educam.

As escolas públicas, essas meu Deus, são raras as que podem levar o nome de escola.
Além disso a luta pela sobrevivência colocou pai e mãe fora de casa a trabalhar pelo menos 8 horas por dia. E os filhos, quem os educa. A rua? A TV? As lanhouses com seus jogos alucinantes? A Internet com o MSN, orkut e sabe Deus o que mais...As escolas com seus modelos arcaicos de “educar”?

A maioria de nossos jovens, exceto uma pequena minoria que não se enquadra no grupo jovem de comportamentos de risco, esta largada à mercê de uma política educacional capenga e ilusória, cuja maior preocupação é delimitar currículos e data para fechamento de semestres, mas não se preocupa com o que há de mais importante na formação do homem, que é a formação humanística, o estímulo aos valores além de melhorar a qualidade das atividades culturais oferecidas à população.Dentro deste contexto de pais ausentes por um motivo ou por outro, escolas de qualidade questionável e programação cultural de baixíssimo nível, somente uma minoria sai ilesa.

Existem exceções? Mas é claro. Sempre existem muitas e boas exceções.Crianças que nascem na favela, em ambiente hostil e que aproveitam todas as pequenas oportunidades, superam as dificuldades e se tornam seres vitoriosos. Assim como também
os que nascem em berço de ouro e não desperdiçam as oportunidades. Os que nascem bem
e não jogam fora as bênçãos. Estes também são vitoriosos num mundo onde alguns poucos privilegiados aprendem desde cedo a desperdiçar. Há pais que amam seus filhos e cuja missão de educador é mais importante que qualquer título de pós-graduação ou as taxas de juro da bolsa de cereais. Há professores que são educadores natos e que fazem despertar a curiosidade pelo saber em cada um de seus alunos através do amor e dedicação.

É preciso que estas exceções sejam contagiosas e que se disseminem via escolas, famílias e comunidades em geral para que possamos ter no futuro adultos mais amorosos, menos egoístas, mais equilibrados e mais felizes.

BENDITO ENGARRAFAMENTO

Fernanda pula da cama todo dia às 6 h da matina,antes do despertador tocar.Acorda as filhas e o marido e vai tomar banho.Enquanto isso o telefone toca,a faxineira bate à porta, o cachorro escorrega da escada,o marido pergunta pela camisa(se está passada) e as meninas reclamam da farda ainda no varal.Então ela desce correndo e vai fazer o café.Fernanda quer sumir mas o dia está só começando.Ela tem que checar na agenda a hora do dentista,as contas a pagar,colocar as fatias prá tostar,passar o filtro solar no rosto e pegar os trabalhos dos alunos prá escola.Fernanda é professora do ensino médio. Quando se dá conta, as filhas ainda estão deitadas e nisso já são quase 7 h.As filhas estão sempre dormindo tarde,computador ligado até a madrugada.Esperam que os pais durmam para novamente ligarem a máquina.

O que fazer? Jogar no lixo o computador? Trancá-lo a sete chaves? Proibir a saída de final de semana? Não, esta não seria a solução.E ela também não sabe qual seria.Fernanda não tem solução para coisa alguma atualmente, exceto para os problemas de álgebra de seus alunos.E Fernanda impacientemente chama as "meninas"(já não são mais meninas,as duas juntas têm mais de 30 anos)pela enésima vez e ameaça deixá-las e sair sozinha.Só assim elas se levantam. Todo dia é a mesma coisa.

A estas alturas,Fernanda já está taquicárdica, sua pressão arterial já elevou-se e ela olha para o espelho e vê algumas novas rugas e os seios que até outro dia pareciam de mulher de 20,duros como um dedo em riste,agora já não mostram a mesma linha do horizonte. Neste exato momento o marido a chama de fofinha e esta é a gota d'água para envenenar o seu dia.Fofinha era o último nome que ela gostaria de ouvir pois ontem a balança anunciou um aumento de 300g, e isso prá quem está com sobrepeso é um infortúnio.Fernanda congela o marido com o olhar,ato contínuo, coloca o salto mais alto,o brilho nos lábios, o corretivo milagroso nos olhos e marcha até o carro.

Quando vai tirar o carro da garagem o espelho retrovisor lateral é literalmente laçado pelos galhos da trepadeira que José,o marido,não quer podar porque a natureza é linda.E lá se vai Fernanda sem retrovisor e ainda leva nome de barbeira do marido que se acha o tal.As meninas entram no carro e Fernanda engole em sêco a risada de galhofa das filhas pelo acidente com o retrovisor. Sua vontade é dar um corretivo nas duas mas, mantém o controle.Com menos de 10 Km de percurso aparece um enorme engarrafamento e tudo que Fernanda pode fazer então é meditar.Bendito engarrafamento!

Enquanto meditava Fernanda viajou,foi prá bem longe, respirou ar puro,flutuou em um tapete mágico, foi abraçada por todos os amigos queridos e quando os carros começaram a buzinar, ela fez um pouso suave e tranquilo e já estava pronta para encarar o novo dia. Batimentos cardíacos normalizados, respiração regular, pressão arterial normal e plena de amor, mesmo que entre um engarrafamento e outro.Saiu dalí decidida a economizar cada tostão e passar as próximas férias em Dorset.

PARA DEZINHA COM AMOR

Tenho uma tia bem velhinha, velhinha mesmo. Dessas que não têm mais músculos, só a pele enrugada lhe cobrindo os ossos que um dia já foram encobertos por uma pele viçosa e rosada e por músculos de amazona. Pois é, eu tenho uma tia com cabelinho ralo e liso mas ainda brilhante, no lugar das madeixas fartas e encaracoladas de outrora. No lugar dos lindos dentes de antigamente, duas próteses móveis, rosadas e que parecem querer pular do copo d’água ao cair da tarde para me dizer boa noite.

Eu tenho uma tia bem velhinha, velhinha como as meinhas brancas das crianças do grupo escolar que só têm um par para usar o ano inteiro. Tão velhinha que mal pode andar sozinha. Tão velhinha e transparente que torna quase possível a visualização de seus órgãos assim como de sua mente e coração. E o que eu vejo... A mais jovem de todas as mentes que conheço e o mais generoso dos corações.

Ela é a prova mais palpável do amor incondicional. Ela é a paz feito gente, o perdão e a conciliação. É a mais sábia das criaturas. É a última de uma geração em extinção. É o meu xodó maior. E ela sabe disso.

Essa minha tia é tia-avó e mãe-avó ao mesmo tempo. Mãe porque ajudou a me maternar e avó porque leve, sem as angústias ou exageradas preocupações das mães. Fez do meu mundo infantil uma fantasia revisitada sempre que se fazia(faz) necessário. Produzia brinquedos artesanais como ninguém. Desde casinhas de caixas vazias de remédios a soldadinhos de chumbo prateados de tampas de leite em pó..Todos ordenadamente enfileirados a marchar pelos tacos do quarto na casa do Tirol. Arrumava minha casinha de bonecas e quando a asma me atacava e eu faltava às aulas, não sabia o que era tédio. Lá estava ela pronta pra me levar ao mundo da fantasia enquanto minha mãe ia providenciar alimento, medicamentos, consultas médicas e o que mais fosse necessário. Além dos brinquedos artesanais, eu ainda era abençoada pela mãe-lua nas noites de lua cheia, quando Dezinha me levava no(ao) colo para a calçada e me ensinava esse “mantra”: “ a benção mãe-lua me dá pão com farinha pra eu dar pra minha galinha que está presa na cozinha”. E eu, menina de ontem, repetia com a mãozinha levantada, olhando pra lua em total sintonia. Repetia esse “mantra” com a cadência dos poetas, do amor e da inocência.

Até hoje guardo com carinho um par de tamancos comprados no mercado, daqueles tamancos bem baratinhos, que ela me deu quando eu tinha 1 ano.Tamanquinhos artesanais, comprados no Mercado São Sebastião no século passado. Não deixa de ser uma peça histórica em um mundo de plastificados.Estou pensando em emoldurá-los pois para mim são como um retrato doce de minha infância. É uma peça que guarda uma energia muito boa e me faz muito bem.

A Dezinha, essa minha tia querida, não é caduca, muito pelo contrário, está por dentro de tudo o que acontece no mundo e ainda dá palpites.

Essa minha tia nunca casou, nunca teve filhos, mas amou e amou muito. A tudo e a todos. Ainda hoje fala de seu grande amor.

Muito moderna e independente para a sua época, não tinha perfil adequado para o casamento.

Tenho uma tia bem velhinha, mais velhinha do que a mantilha de renda de minha bisavó. Sei que já cumpriu sua missão neste planeta e que mais dia menos dia será como uma poeira de luz feito estrela a iluminar o meu céu. Estará sempre no meu coração.